Dia 3



Acordei as seis.
Ainda estou boquiaberto com Wicked, que assisti ontem a noite1. Foi perfeito.
E o melhor: sotaque britânico. Ouvir Defying Gravity sendo cantada /Defying GraviTy/ ao invés de /Defying GraviRy/ fez muita diferença.
Mas deixemos o que aconteceu ontem para ontem, ao menos por enquanto.
Acordei as seis, após dormir por volta das duas devido a uma confusão no hostel: 13 pessoas num quarto para 12. E a 13a estava na cama de quem? O problema foi resolvido logo, mas só foi constatado tarde da noite.
Enfim, acordei as seis.
Tomei banho, café com torrada e geléia de morango.
Fui para o albergue do pessoal e, após esperar uns 40min consigo convencer o pessoal da recepção a me deixar entrar no andar que eles estão.
Bato na porta e bato na porta e bato na porta.
Abrem-na e a primeira coisa que noto é minha mala. Senti um alívio e um pequeno desapontamento: minhas barras de cereal estavam de volta, mas gostaria de saber até onde eu conseguiria ir sem a minha mala.
Acordaram as nove. Escovaram os dentes, tomaram banho e café. Tipicamente britânico. O café, não o banho. Café, ovo frito mole, cogumelos, feijão branco com molho de tomate, duas torradas, bacon e lingüiça (note o trema. me recuso a desusá-lo). Nenhum deles conseguiu comer tudo. Não por ser muita comida que, de fato, era, mas por ser muito ruim, apesar de barato, segundo eles próprios.
Saímos do albergue e pegamos um metrô para o Covent Garden Market. Vi um jogo de xadrez com personagens do Alice no País das Maravilhas, mas não tive coragem de pagar cinqüenta libras nele. Passamos pouco tempo lá, já que ele ainda estava abrindo, seguindo para a Torre de Londres2 e aquele famoso Relógio Solar3. Após ver um vídeo sobre a Torre, decidi não entrar. Acho que não tava com humor para. O que melhorou meu humor foram as pessoas cantando e dançando do lado de fora4. E não eram artistas de rua. Então, atravessamos a Ponte de Londres5 a pé, admirando a vista do rio Tâmisa e os contrastes arquitetônicos entre a ponte e a prefeitura6 e a torre e o prédio oval7.
Ei! Psiu! Espera! Esqueci de comentar! No caminho para a Torre, passei em frente ao Lyceum Theatre, onde comprei ingressos para "The Lion King - The Musical" para esta noite. Digo já por que lembrei disso agora. Voltando a programação normal.
Da Ponte fomos à bela LondonEye. Quinze libras e cinqüenta centavos por 20min de subida seguidos de 20min de descida após os 120min na emocionante fila. Não é que não tenha gostado, mas a vista é praticamente a mesma da ponte ao lado. Pena que a bateria da minha câmera havia se esgotado. Após a LondonEye, um rápido lanche no gramado do parque ao seu lado8.
Andando, fomos ao Trocadero, um mercado próximo ao albergue dos colegas. E de lá, voltei ao Covent Garden Market, para comprar o xadrez da Alice, planejando algumas horas de negociação até um preço agradável. Não comprei. Não pelo preço, mas olhando de mais perto, vi que as peças não eram bem feitas e eram muito grandes. A caixa ocuparia muito espaço na minha mochila. E não valia a pena.
Então chego ao teatro onde na escadaria sento, abro a mochila, tiro este diário e começo a escrever. Só lembrei de mencionar que comprei o ingresso há dois parágrafos quando vi o Simba na parede.
Ainda falta uma hora para começar o espetáculo, meia para abrirem as portas.
Estava sem relógio e por isso perguntei as horas ao rapaz aparentemente simpático com a camisa 2008 da Disney. Ele disse as horas e notei que ele era "especial". Ele não parou de falar desde então. Mantendo-me simpático, continuo conversando e escrevendo no diário. Desculpa a caligrafia.
Pronto. Ele parou de falar e voltou toda a sua concentração ao Nintendo DS que está entre suas mãos.
Depois do espetáculo, devo voltar ao albergue do pessoal, decidir se sairemos, comeremos ou dormiremos, já que amanhã é dia de abandonarmos a ilha e voarmos à Grécia.
Hmmm... Hoje fiz muito mais coisas e escrevi menos de três páginas [no diário]. Estarei descrevendo pouco ou esquecendo muito?
Opa! Abriram as portas!9

Dia 2



Somente após a meia-noite, quando já estava deitado, meus colegas de quarto chegam. Nunca ao mesmo tempo. eles conseguiam chegar segundos após eu começar a cochilar. Bêbados, obviamente. Rindo, gritando e acendendo luzes.
Tal fenômeno só era superado pela sinfonia de roncos. Três deles roncavam grosso e alto enquanto outros dois roncavam fino e pausadamente. Os demais faziam o background.
Sabia que o albergue estava cheio. imaginei a fila para os banheiros pela manhã. Pensando nisto, me programo para acordar bem cedo, ainda de madrugada,para tomar banho e escovar os dentes. Só me programo, por que programar o alarme do iPod não adiantaria se ele está sem bateria.
Acordei várias vezes durante a noite para ver, ao menos, se o sol já havia aparecido. Sentava na cama e tentava ver o lado de fora do prédio entre as cortinas.
- Tá vendo ele?
- Sim. Sonâmbulo?
- Parece.
Consegui não rir (alto) deste diálogo de dois roomates anônimos. Só não aguentei ao ouvir os planos de como me acordar, uma vez que eles estavam preocupados com o fato de eu estar na cama superior do beliche.
Depois desta, levantei. Pego a toalha - alugada, já que a minha estava na minha mochila em algum lugar de Portugal - e vou ao banheiro. Odeio admitir, mas usei o sabonete liqüido gratuito da pia de lavar mãos como único método de higienização. Após a escovação de dentes, vou a recepção. Pergunto à Cintia sobre o café da manhã e ela me lembra que só as sete. Olho para o relógio na parede e vejo 01h30.
!!!
...em Buenos Aires, observo, alguns segundos depois. Em Londres, 05h30.
Oooouquei...
Leio todos os panfletos dos mais diversos assuntos que repousavam na recepção. Cintia, então, me dá um cartão de acesso a internet, no valor de duas libras. Oba!
Checo meus e-mails, conto algumas novidades a um amigo e descubro que a Dercy Gonçalves morreu no dia em que saí do país. Outra coincidência intrigante, o que me lembra o sumiço de alguns quadros do Masp no mesmo dia que sai de São Paulo para Miami no ano passado.
Envio uma mensagem a minha mãe avisando sobre a bagagem.
Desligo o computador, voltando a minha atenção à estante ao meu lado. Nela, havia uma coleção eclética de dvds, variando entre Dogma e Amelie, de Moulin Rouge a American Pie.
Havia também uma prateleira de livros, na maioria, de turismo. Folheio alguns e sete horas!
Tomo um superreforçado café da manhã com dois pães de dois dias atrás com manteiga e suco de algo parecido com laranja. Não sei quão intencional era a semelhança.
Depois do café, dirijo-me ao albergue dos colegas de viagem, lá chegando as 7h45, 15min após o combinado. Já imaginava a cara de "Isso são horas?" que veria, mas não estavam na recepção quando entrei.
Peço ao recepcionista para ligar para o quarto dos colegas, e ele se desculpa dizendo que o quarto já está ocupado. Explico novamente e ele me mostra todos os outros quartos disponíveis. Mais uma vez explico e ele fala um "OOOohhhhh! Got it!", liga para algum canto e pede para falar com o gerente, sobre a minha reserva.
Tá bom. Espero aqui. Ou eles estão tomando café ou nem acordaram ainda.
Depois de esperar um bom tempo, começo a traçar o itinerário que faria sozinho, caso eles não aparecessem em 15min. Eles apareceram antes de eu terminar o itinerário, por volta das 8h50.
Seguimos para o Palácio de Buckingham. O trejeto deveria ser uma reta, mas foi um U. Mudamos a rota e eles entraram num pequeno mercado, onde compraram sanduiches como café da manhã e eu, um suco de laranja com gosto de Redoxon. Um dos colegas perde o mapa. O único mapa.
Então, fomos perguntando como chegar no Palácio de Buckingham. No caminho, paramos num pequeno parque onde fizemos um picnic1.
A troca da guarda. A maldita troca da guarda2. Milhares de pessoas para assistir uma cerimônia... hmmm...com a qual não perderei tempo de novo.
Próxima parada, o Benzão. A clássica foto dentro da cabine telefônica foi tirada com ele ao fundo3. Andamos, ainda, pela margem norte do Rio Tâmisa, até atravessarmos ao Olho de Londres. Não subimos devido ao tamanho da fila. Teríamos outras oportunidades.
Resolvemos verificar a situação das malas: ligamos para a Alitalia, no aeroporto, mas não conseguimos falar com ninguém. Ligamos para uma amiga na Itália e ela, de lá, descobriu que as malas ainda estavam em Lisboa.
Pressionar a TAP/Alitalia no aeroporto era o plano. Eu fiquei de fora por que (1) não achava que iria ser resolvido, uma vez que as malas ainda estava em outro país,(2) preferia gastar os 7 pounds do metrô em outra coisa (cuecas, talvez) e (3) o mais importante: hoje é dia de Wicked. Comprei o ingresso três meses atrás e não correria o risco de não chegar a tempo no teatro.
Nos separamos na estação de metrô de Walterloo. Fui para a estação Victoria e eles iriam para o aeroporto.
Chego quatro horas antes do espetáculo. Assim, se houvesse algum problema, teria tempo - e bastante - para resolvê-lo. Para minha surpresa, estava tudo certo. Recebo o ingresso em menos de 20 segundos.
Vagueio um pouco aos redores do teatro, onde encontro a Catedral de Westminster4, algumas lojas e o restaurante The Sheakspeare5.
Vou a estação de trem Victoria6, onde me sento e começo a escrever sobre o dia de hoje. Quando escrevo a palavra "sonâmbulo", na primeira página [do diário], a garota sentada ao meu lado, comendo um sanduiche, aperta demais o sachet de ketchup, espirrando gotas vermelhas sobre tal página.
Ela se desculpa por volta de sete vezes e depois começamos o diálogo:
- O que você está escrevendo? Sobre o que é?
- Um romance. Sobre uma aventura de 30 dias na Europa. Escrevendo o segundo capítulo agora.
- E escreverá quantos agora?
- Só esse. Ainda estou no segundo dia.
Ela sorri. Conversamos mais um pouco e em seguida ela tem que ir pegar o trem dela, para Cambridge.
Ainda faltam duas horas para o início do musical e, deste segundo, estou sentado ao lado de uma senhora falando crioulo no celular. Vejo muitos mochileiros, com suas supermochilas, chegando e/ou partindo.
Estou cansado.
Estou com sono.
estou com medo de dormir no espetáculo que quero ver a mais de um ano.
Acho que vou comprar um RedBull ou algo semelhante. Nunca tomei desses energéticos. e se eu não dormir mais? Nunca mais? Opa! Uma Starbucks alí! Woohoow!
Lembrei agora da expressão da mocinha da bilheteira do teatro ao falar "Só um?". É, moça. Só um. só um ingresso. As pessoas com quem vim não entendem inglês. Nem gostam de musicais. Nem lembram a história do Mágico de Oz. Então não, né? Só um mesmo. Eu sou feliz assim.
Depois do espetáculo talvez eu me encontre com o resto do pessoal, no albergue deles. Talvez.
Talvez eu volte ao meu albergue andando mesmo, apesar de ser muito longe, para conhecer mais a cidade no caminho.
Talvez eu vá para a cama cedo, para descançar bastante e pegar no sono logo, antes dos outros onze chegarem naquele quarto de piso de madeira o qual balança todos os beliches a cada passo dado.
Talvez eu não volte àquele albergue no futuro.
Enquanto isso, aqui na estação de trem, vejo mais mochileiros, vários seres vestidos socialmente correndo e ouço várias outras línguas estranhas sendo faladas por pessoas comuns e várias pessoas estranhas conversando sobre temas banais.
Como a morte da Dercy.
E ainda faltam 100 minutos.

Dia 1


Após sair de Fortaleza alguns vários minutos depois do horário, finalmente chego a Lisboa, Portugal.
Chego, exatamente 10 minutos antes de minha conexão partir, ao portão de embarque onde um funcionário da TAP pede para que eu vá ao balcão de transferências, uma vez que o vôo estava lotado.
Na fila longa e lenta, encontro o Samuel Rosa, do Skank1.
Uma hora de fila depois, me colocam num vôo direto para Londres, em embarque imediato. Tão imediato quanto a finalização das obras do metrô de Fortaleza. Se não, menos.
Mais vinte minutos de fila.
Mais vinte minutos, após receber o recém-picotado canhoto de minha passagem, aguardando a chegada do ônibus que me levaria ao avião.
Mais dez minutos dentro do tal ônibus, esperando a sua partida.
Mais dez minutos passeando de ônibus pelo aeroporto. Cheguei a pensar que era assim que chegaria a Londres.
Mais trinta minutos aguardando o início do desafio à gravidade do avião.
Por fim, eu deveria partir de Lisboa as 8h da manhã, mas isso só aconteceu por volta das 10h30.
Chego, as 13h, em Londres. Sabe aquele canal da telinha do avião em que eles mostram o itinerário percorrido? Acho que o piloto tava tentando escrever o nome do seu filho com aquela linha vermelha antes de aterrissar.
Saio do avião e vou para a imigração. Mais uma hora de fila.
Lá, haviam duas filas: uma para residentes europeus e outra para o resto do mundo. "inclusive cidadãos dos Estados Unidos" dizia a placa. Eu ri.
Passo na alfândega sem problemas e vou pegar minha bagagem.
Quem disse que ela tava na esteira?
Fico das 14h30 as 15h30 preenchendo papéis. As pessoas da Alitália, parceiros da TAP, avisam que as malas possivelmente ainda estavam em Lisboa e que provavelmente viriam no próximo vôo, as 17h25.
Com muita fé, resolvo esperar, apesar de ser uma pessoa precavida e andar com escova de dentes e cia, camisa, cuecas e meias extras na mala de mão.
17h25
17h35
17h45
17h55. Fui informar-me por que as malas do vôo de Lisboa não apareciam nas esteiras e o que me dizem é que o vôo atrasou, E que só chegaria as 19h30.
Não. Não mesmo.
Peguei um metrô e fui em busca do meu albergue.
desci algumas estações antes, para andar e já começar a conhecer a cidade.
A-do-rei o que vi.
Vi pessoas cantando em coro enquanto atravessavam as ruas. Vi Hare Krishnas, a caráter, cantando e batendo mini-pratos de dedos. (como se chamam esses mini-pratos?)
Vi cores. Ouvi sons. Senti cheiros. Alguns não muito bons.
Então chego ao meu hostel, o Auston Museum Hostel, que tem esse nome por ser vizinho ao Museu Britânico. O MET, de NYC, perde. Ainda não posso comparar com o Louvre.
Na porta do Hostel, vejo cerca de 12 jovens, na maioria homens, bebendo.
Faço o check in e subo para o quarto, o qual divido com outros 11 homens2.
Imaginava que o meu quarto fosse bagunçado. Comparei, depois, com o quarto em que morava nos EUA onde a bagunça era ainda maior. Daí concluí: O quarto de um homem é uma bagunça, de três homens (nos EUA) é uma superbagunça, mas o de onze homens é um segredo.(piadinha infame, eu sei.)
Voltei na recepção para perguntar se realmente existe, ali, uma cama disponível para mime Cintia, a recepcionista, chama alguns dos garotos que bebiam lá fora para "disponibilizar" uma das camas.
ao entrar no quarto, eles educadamente se apresentam, indicam qual a minha cama e perguntam se eu também estava na cidade para a competição de cerveja.
O_O
Ao ouvir a minha negativa, eles descem e avisam que estarão na entrada, "treinando".
Sem mala, pego minha mochila com tudo dentro, e saio, observando a bela vista da janela3.
Fui comer com meus colegas de viagem. Pensamos em comer algo tipicamente londrino: Fish and Chips, mas a insistência de um dos colegas nos fez parar num McDonalds. O BigMac tem o mesmo gosto do de Fortaleza, caso você já tenha se perguntado isso na vida.
Volto ao albergue sozinho, já por volta das 22h, por ruas escuras. Alguns vovôs passeavam com seus cães.

Dia 0

Foto 1, Pôr do sol em Fortaleza Eu e mãe.

Ok. Tudo pronto. Malas feitas. Euros comprados. Agora só falta desafiar a gravidade. Olho o pôr-do-sol fortalezense1 mais uma vez no caminho do aeroporto e é quando percebo que realmente estou fazendo.
Chego no aeroporto e alguns familiares estão lá, dando apoio.
Depois de todo o processo de check in,vou para a sala de embarque, mas não antes de ver minha mãe chorar2, como é de praxe.
Na sala de embarque, a telinha em cima do portão diz que o avião partira 20 minutos atrás. Nem dizer que estão atrasados eles dizem.
Sem pressa e sem intenções de compras, passeio pelos corredores do Duty Free e vejo o que, para mim, é um bom sinal para essa viagem: um grande saco de Toblerone3, meu chocolate preferido.
Já começou bem, se não fosse o pequeno atraso.
Finalmente chamam. Finalmente embarco. Finalmente decolo.
Os comissário nos servem pão com queijo processado, algum tipo de carne e arroz e um sorvete 23 minutos antes do piloto acender a luzinha do cinto e avisando que passaríamos por um período de turbulação. Digamos que havia um pedaço de queijo processado ninja no meu estômago. E não só no meu. Cerca de uma hora depois, presencio algo inédito para mim: um comissário de bordo com uma bandeja retirando saquinhos de papel "recheados" das poltronas. Foram duas bandejas cheias. Pena que não tirei foto.
Depois disso, começo a assistir a algum filme e caio no sono. E assim acaba o dia. E começa a aventura.