Dia 2



Somente após a meia-noite, quando já estava deitado, meus colegas de quarto chegam. Nunca ao mesmo tempo. eles conseguiam chegar segundos após eu começar a cochilar. Bêbados, obviamente. Rindo, gritando e acendendo luzes.
Tal fenômeno só era superado pela sinfonia de roncos. Três deles roncavam grosso e alto enquanto outros dois roncavam fino e pausadamente. Os demais faziam o background.
Sabia que o albergue estava cheio. imaginei a fila para os banheiros pela manhã. Pensando nisto, me programo para acordar bem cedo, ainda de madrugada,para tomar banho e escovar os dentes. Só me programo, por que programar o alarme do iPod não adiantaria se ele está sem bateria.
Acordei várias vezes durante a noite para ver, ao menos, se o sol já havia aparecido. Sentava na cama e tentava ver o lado de fora do prédio entre as cortinas.
- Tá vendo ele?
- Sim. Sonâmbulo?
- Parece.
Consegui não rir (alto) deste diálogo de dois roomates anônimos. Só não aguentei ao ouvir os planos de como me acordar, uma vez que eles estavam preocupados com o fato de eu estar na cama superior do beliche.
Depois desta, levantei. Pego a toalha - alugada, já que a minha estava na minha mochila em algum lugar de Portugal - e vou ao banheiro. Odeio admitir, mas usei o sabonete liqüido gratuito da pia de lavar mãos como único método de higienização. Após a escovação de dentes, vou a recepção. Pergunto à Cintia sobre o café da manhã e ela me lembra que só as sete. Olho para o relógio na parede e vejo 01h30.
!!!
...em Buenos Aires, observo, alguns segundos depois. Em Londres, 05h30.
Oooouquei...
Leio todos os panfletos dos mais diversos assuntos que repousavam na recepção. Cintia, então, me dá um cartão de acesso a internet, no valor de duas libras. Oba!
Checo meus e-mails, conto algumas novidades a um amigo e descubro que a Dercy Gonçalves morreu no dia em que saí do país. Outra coincidência intrigante, o que me lembra o sumiço de alguns quadros do Masp no mesmo dia que sai de São Paulo para Miami no ano passado.
Envio uma mensagem a minha mãe avisando sobre a bagagem.
Desligo o computador, voltando a minha atenção à estante ao meu lado. Nela, havia uma coleção eclética de dvds, variando entre Dogma e Amelie, de Moulin Rouge a American Pie.
Havia também uma prateleira de livros, na maioria, de turismo. Folheio alguns e sete horas!
Tomo um superreforçado café da manhã com dois pães de dois dias atrás com manteiga e suco de algo parecido com laranja. Não sei quão intencional era a semelhança.
Depois do café, dirijo-me ao albergue dos colegas de viagem, lá chegando as 7h45, 15min após o combinado. Já imaginava a cara de "Isso são horas?" que veria, mas não estavam na recepção quando entrei.
Peço ao recepcionista para ligar para o quarto dos colegas, e ele se desculpa dizendo que o quarto já está ocupado. Explico novamente e ele me mostra todos os outros quartos disponíveis. Mais uma vez explico e ele fala um "OOOohhhhh! Got it!", liga para algum canto e pede para falar com o gerente, sobre a minha reserva.
Tá bom. Espero aqui. Ou eles estão tomando café ou nem acordaram ainda.
Depois de esperar um bom tempo, começo a traçar o itinerário que faria sozinho, caso eles não aparecessem em 15min. Eles apareceram antes de eu terminar o itinerário, por volta das 8h50.
Seguimos para o Palácio de Buckingham. O trejeto deveria ser uma reta, mas foi um U. Mudamos a rota e eles entraram num pequeno mercado, onde compraram sanduiches como café da manhã e eu, um suco de laranja com gosto de Redoxon. Um dos colegas perde o mapa. O único mapa.
Então, fomos perguntando como chegar no Palácio de Buckingham. No caminho, paramos num pequeno parque onde fizemos um picnic1.
A troca da guarda. A maldita troca da guarda2. Milhares de pessoas para assistir uma cerimônia... hmmm...com a qual não perderei tempo de novo.
Próxima parada, o Benzão. A clássica foto dentro da cabine telefônica foi tirada com ele ao fundo3. Andamos, ainda, pela margem norte do Rio Tâmisa, até atravessarmos ao Olho de Londres. Não subimos devido ao tamanho da fila. Teríamos outras oportunidades.
Resolvemos verificar a situação das malas: ligamos para a Alitalia, no aeroporto, mas não conseguimos falar com ninguém. Ligamos para uma amiga na Itália e ela, de lá, descobriu que as malas ainda estavam em Lisboa.
Pressionar a TAP/Alitalia no aeroporto era o plano. Eu fiquei de fora por que (1) não achava que iria ser resolvido, uma vez que as malas ainda estava em outro país,(2) preferia gastar os 7 pounds do metrô em outra coisa (cuecas, talvez) e (3) o mais importante: hoje é dia de Wicked. Comprei o ingresso três meses atrás e não correria o risco de não chegar a tempo no teatro.
Nos separamos na estação de metrô de Walterloo. Fui para a estação Victoria e eles iriam para o aeroporto.
Chego quatro horas antes do espetáculo. Assim, se houvesse algum problema, teria tempo - e bastante - para resolvê-lo. Para minha surpresa, estava tudo certo. Recebo o ingresso em menos de 20 segundos.
Vagueio um pouco aos redores do teatro, onde encontro a Catedral de Westminster4, algumas lojas e o restaurante The Sheakspeare5.
Vou a estação de trem Victoria6, onde me sento e começo a escrever sobre o dia de hoje. Quando escrevo a palavra "sonâmbulo", na primeira página [do diário], a garota sentada ao meu lado, comendo um sanduiche, aperta demais o sachet de ketchup, espirrando gotas vermelhas sobre tal página.
Ela se desculpa por volta de sete vezes e depois começamos o diálogo:
- O que você está escrevendo? Sobre o que é?
- Um romance. Sobre uma aventura de 30 dias na Europa. Escrevendo o segundo capítulo agora.
- E escreverá quantos agora?
- Só esse. Ainda estou no segundo dia.
Ela sorri. Conversamos mais um pouco e em seguida ela tem que ir pegar o trem dela, para Cambridge.
Ainda faltam duas horas para o início do musical e, deste segundo, estou sentado ao lado de uma senhora falando crioulo no celular. Vejo muitos mochileiros, com suas supermochilas, chegando e/ou partindo.
Estou cansado.
Estou com sono.
estou com medo de dormir no espetáculo que quero ver a mais de um ano.
Acho que vou comprar um RedBull ou algo semelhante. Nunca tomei desses energéticos. e se eu não dormir mais? Nunca mais? Opa! Uma Starbucks alí! Woohoow!
Lembrei agora da expressão da mocinha da bilheteira do teatro ao falar "Só um?". É, moça. Só um. só um ingresso. As pessoas com quem vim não entendem inglês. Nem gostam de musicais. Nem lembram a história do Mágico de Oz. Então não, né? Só um mesmo. Eu sou feliz assim.
Depois do espetáculo talvez eu me encontre com o resto do pessoal, no albergue deles. Talvez.
Talvez eu volte ao meu albergue andando mesmo, apesar de ser muito longe, para conhecer mais a cidade no caminho.
Talvez eu vá para a cama cedo, para descançar bastante e pegar no sono logo, antes dos outros onze chegarem naquele quarto de piso de madeira o qual balança todos os beliches a cada passo dado.
Talvez eu não volte àquele albergue no futuro.
Enquanto isso, aqui na estação de trem, vejo mais mochileiros, vários seres vestidos socialmente correndo e ouço várias outras línguas estranhas sendo faladas por pessoas comuns e várias pessoas estranhas conversando sobre temas banais.
Como a morte da Dercy.
E ainda faltam 100 minutos.

1 comentários:

Mariana Alcântara disse...

Eu teria feito BOOO.
E coincidências não existem, mas que tu tem um bom hálibe, isso tem. Adorei a foto típica na cabine telefônica, ela não ficou típica, se tu não tivesse dentro dela, eu diria que tu tirou a foto, mas no mínimo tu deve ter dado instruções.
Gostei do parque do picnic.
A troca da guarda, eis algo com o qual não pretendo desperdiçar a lente dos meus óculos.
Como tu acaba o post sem contar como foi Wicked???(Ainda não li o post acima, não sei se está lá)